Friday, May 15, 2020

O FUTURO MUDA CONSTANTEMENTE A PARTIR DAS PEQUENAS AÇÕES

Há tempo para colher, plantar e semear. E há aqueles que somente cuidam da semente para que a futura geração possa desfrutar. Talvez os artistas e os professores ocupam este lugar no momento. Nossas ações parecem em vão, poucas ações parecem vingar. Porque trabalhamos com a cultura e este não muda de uma hora para outra. Tenho notado que esquecemos que nossa existência é contida dentro de um recorte temporal e espacial.

Alguém já questionou por que o samba, salsa e blues nasceram no mesmo período, na virada do século XX? O sociólogo Muniz Sodré relata a relação da diáspora africana e o processo da abolição da escravatura, a qual fez surgir o fomento cultural dessas músicas nos três cantos da  América no mesmo período. Quem se interessar sobre este assunto, o livro "Samba: O Dono Do Corpo" é uma leitura agradável, que pode abrir novas perspectivas sobre a cultura. Lendo ele, compreendi que nossas criações não são independentes do contexto social, econômico e político - nossas escolhas são mediadas juntas a eles. Assim, podemos pensar que o tempo oportuniza a criação, a existência e a resistência.

Sou nissei e descobri a dança contemporânea brasileira junto a desCompanhia de Dança. Na trajetória como artista, fui descobrindo que minhas obras possuem afinidade com o Butoh, que é uma dança contemporânea japonesa, surgida após a II Guerra Mundial. Não tive conhecimento sobre o Butoh antes da dança, principalmente porque venho de uma família japonesa de agricultores. No entanto, fui criado com altar budista, haikai, ikebana, manga, filmes, seriados japoneses, etc. Além da curiosidade de que a minha língua materna é japonesa, apesar de nunca ter visitado o Japão. Meus avôs e pais tiveram uma cultura nipônica pós-guerra e imigraram para o Brasil. Herdei muitas coisas deles e quando conheci a dança contemporânea brasileira fui me enveredar nas temáticas e estéticas, que posteriormente descobri que possuem afinidades com o Butoh.

Estou compartilhando estas reflexões, pois temos a ilusão de que somos independente e autônomo, respaldado pela liberdade e livre-arbítrio. Temos nossas escolhas dentro de uma existência contida, recortada no tempo e no espaço. Assim sendo, tenho descoberto a importância de ver o aspecto cultural em que vivemos. E principalmente compreender que nada muda de uma hora para outra na cultura. Então, quando noto a ignorância na política brasileira, a falta de envolvimento das pessoas nos espaços de participação e controle social nas instituições públicas (Conselhos, Fórum, Conferências, DCE, CA, etc.), a criminalização dos movimentos sociais, enfraquecimento dos sindicatos, o atentado aos jornalistas, o genocídio dos índios e dos pobres, aumento da agressão à comunidade LGBTQI+, o crescimento do fascismo, violências aos enfermeiros e médicos que estão combatendo à COVID-19 e tantas coisas que me assombram no Brasil, compreendo claramente que o caminho dos artistas e dos professores atualmente será longo, com muita paciência, amor e sem expectativa a curto prazo.

Atualmente estou cursando a minha segunda graduação, que é de Dança. Nela, tenho atuado fortemente no movimento estudantil. Fazemos muitas coisas que parecem em vão. E sim, na prática acho que não colhemos resultados efetivos, pois não se muda a cultura de uma hora para outra. Mas escolhi não me frustrar em ações que não possuem resultados efetivos. Escolhi compreender e valorizar o envolvimento das pessoas nestas ações e o fomento cultural que elas promovem. Manter a utopia, como Galeano diz, serve para caminharmos para frente. Mas, muito além do que isto, fomentar os processos básicos de democracia (reunir, discutir, acordar no dissenso, votar, planejar, dividir funções, trabalhar e revolucionar) é lutar bravamente num país onde a democracia constitucional está ruindo. Sem esta mudança cultural, o Brasil não sairá do buraco em que caiu junto com este governo fascista, militar e miliciano.

Nesta crise sanitária-econômica e da democracia que estamos vivendo, não há um destino certo a seguir, mas o meio para continuar está claro: É povo organizado. Neste aspecto são os movimentos sociais como MST, MTST e frentes populares (LGBTQI+, Negros, Feministas, etc) que tem muito a nos ensinar. Então, temos muito a fazer, mas não podemos esperar resultado efetivo a curto prazo. Nosso tempo é outro, manter utopias e proteger a chama da democracia para que o fogo não se apague. Grandes jornadas começam com pequenos passos. Companheiros, vamos resistir e nos organizar.

Apesar de abordar a micropolítica neste texto, por final gostaria de pedir algo que dialoga com a macropolítica: fortaleçam o movimento estudantil e os sindicatos dos docentes e dos agentes. Não vejo as pessoas nomearem colapso e crise da educação pública no país, tampouco falar da verba de emergência à educação. Todos colegas meus e professores se tornam refém da manutenção das atividades remotas ou não. Porém, o golpe catastrófico e maior a educação está a chegar, que é a privatização do ensino público, utilização do EaD de maneira excludente e o fechamento de várias instituições e áreas de conhecimento de desenvolvimento humano e tecnológico imprescindíveis à sociedade. Principalmente no Paraná que tem o governador Ratinho Jr. alinhado com o Governo Federal do Bolsonaro. Vamos ter que negociar com o Governo Estadual e isto só é possível com fortalecimento da luta de classe. Manter a universidade funcionando é uma resistência, mas não ter sindicatos e movimentos estudantis fortalecidos é fatídico nos tempos de hoje. Seguimos em direção ao colapso do ensino público, então precisamos agir enquanto ainda há tempo.

Abraços.

Curitiba, 15 de Maio de 2020

Yiuki Doi, integrante do Diretório Acadêmico da FAP/UNESPAR

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